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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Adeus, Mestre!


Certo dia, numa manhã de primavera, recebi um presente. Era uma grande caixa em formato triangular envolta em papel com temas natalinos. Papel reutilizado, mas criança não pensa nessas coisas.
Após rasgar o papel (pois é, não sobrou um pedaço para embalar os presentes do natal seguinte!) e abrir a caixa, meus olhos estavam encantados por um objeto feito de madeira que aprendi a amar. Aquele violão poderia continuar a ser apenas um objeto de madeira caso eu não o estudasse. De maneira autodidata comecei a arranhar meus primeiros acordes. Era um verdadeiro "bate cordas" que faria qualquer violonista ficar envergonhado.
A consciência de que aquilo que eu fazia estava muito aquém de minhas possibilidades eu fui aprender em momento oportuno com um senhor rigoroso com os alunos - e também muito afetuoso, como um pai. Com ele, não aprendi meus primeiros acordes, muito menos a nomenclatura das notas. É claro, devo e muito ao referido mestre o desenvolvimento técnico que tive e muitas das referências musicais que carrego até hoje.
Apesar de deixar como herança um método de ensino utilizado por todos nós, violonistas, a principal lição que recebi foi a de ver o violão como ele é: um instrumento!
"O essencial é invisível aos olhos", já dizia Saint Exuperry. A música segue além das folhas da partitura. Em nosso último diálogo, pedi ao querido mestre: "Escreva uma página sobre a sua nobre arte"! Generosamente, 15 dias após a minha solicitação, recebi um artigo dedicado ao seu professor, Isaías Sávio! Ele encerrava o artigo da seguinte forma:
"Se tivesse de saudar meu eterno professor, diria: Muito obrigado por você ter existido e sido meu orientador nesta complexa profissão de violonista. Hoje sigo seus passos, também como professor, e recordo cada momento de nossas aulas, que passavam tão rápido, mas que eram completas de informações e conselhos. Procuro em cada aluno que encontro, aquela centelha de sabedoria que de você emanava. Espero não tê-lo traído como professor, mas me empenho em seguir seus passos, sempre com gratidão e respeito por sua obra maestral".
Mestre Henrique Pinto, peço, mui respeitosamente, emprestadas as tuas próprias palavras para homenageá-lo. Agradecemos por nos deixar um rico legado, fruto de uma vida dedicada ao violão!
Sentiremos muito a tua falta!

sábado, 17 de julho de 2010

Espaço de discussão, novidades no cenário violonístico, instrumentos...

Saudações musicais!

Há muito tempo venho com a ideia de criar um blog que fosse uma extensão do trabalho que desempenhava na Violão PRO. Devido a limitação do espaço físico do papel, muitas coisas legais ficavam de fora das edições. Espero, de alguma forma, ajudar a difundir através do blog "PAPO DE VIOLONISTA" dicas legais para quem toca (ou quer aprender a tocar) violão, trabalhos bacanas desenvolvidos por músicos criativos e talentosos e, é claro, novidades no universo violonístico no que se refere a instrumentos e acessórios.
Fique à vontade e, qualquer dúvida, só mandar sinal de fumaça! ;)

A Encruzilhada Musical: Vivendo entre o Sagrado e o Profano (por Miguel De Laet)

Enquanto no terreiro se ouve os três atabaques - rum rumpi e lê - chamando os Orixás, um violeiro faz soar um inebriante acorde de sua viola após ter encontrado numa estrada escura a cobra coral - que, dizem os antigos, se tratar do próprio "tinhoso" vindo do mundo sobrenatural - para pactuar-se com o Senhor das Trevas com o intuito de dominar o instrumento musical místico e tocar na Festa do Divino. Da mesma forma, o bluesman segue seu caminho até a encruzilhada para encontrar o próprio Diabo para afinar o seu instrumento e conseguir, através dele, fama e sucesso.

De fato, o ponto em comum que encontramos nos vários personagens que fazem parte do mundo da música, e que parece mover o ser humano em direção do desconhecido, é o desejo de sentir, ao menos um instante, o gosto da "Liberdade". O sonho – para muitos, utópico - de tornar-se um ser capaz de manter-se suspenso, acima da terra, livre como Fernão Capelo Gaivota, alimenta o nosso espírito inquieto que tenta, de diversas maneiras, libertar-se da prisão do corpo para voar alto, para além das estrelas. Acontece que, para tornar-se independente, é necessário renunciar as amarras, cortar o nosso cordão umbilical e sacrificar o corpo; se faz necessário sentir as dores e a agonia da descompassada arritmia cardíaca, taquicardia supraventricular, aparentemente antimusical e mortal, para viver num universo atemporal e imparcial.

O próprio som nasceu do sacrifício. As cordas de tripa de carneiro que soavam no antigo alaúde; o couro de peixe que vestia o oriental Derbak; os instrumentos alegres do nosso carnaval revestidos com pele animal – couro de gato, couro de cobra, couro de bode -; todos eles são prova evidente do sacramento do som. O sacrifício do corpo que se torna sinal visível do som invisível e imaterial capaz de atravessar muitas barreiras. O Som que vence o silêncio da Morte e que só se faz ouvir através dela, trazendo aos homens a Esperança de uma Vida Imortal, consolo dos fracos segundo alguns "existencialistas". "Acontece que as orelhas não têm pálpebras", disse Pascal Quignard. Destarte, o que os olhos vêem é limitado e o que os nossos ouvidos captam, muitas vezes, vai mais além. "O som penetra. Ele é o estuprador". O som é o Todo-Poderoso, criador do Universo, princípio e fim de todas as coisas. O som é Livre e aquele que ouve, escravo ou liberto!

O período clássico eleva a figura do ouvinte pagante em detrimento da Liberdade do som, sem nenhum sinal de arrependimento. A própria ordenação e organização sistemática musical podem ser, então, interpretadas como um sacrifício, pois o jardim musical dos clássicos foi concebido através do cultivo artificial e formal de espécies ornamentais escolhidas a dedo – em sua maioria, bastante simples. Caso houvesse um crescimento de uma herbácea capaz de modificar a disposição do jardim, a mesma era removida, ou melhor, sacrificada pelo "bem do conjunto" e da satisfação do cliente que está pagando pelo serviço. Mesmo assim, a música não deixa de ser "Arte". Quando o artista ouve o som que toca no lugar mais profundo do seu ser e o transcreve fielmente sem deixar que a racionalidade material o perturbe, suas obras são colocadas num "Hall" especial e seu nome imortalizado. Foi assim que Mozart escreveu o protótipo da "Ópera Alemã", Die Zauberflöte (A Flauta Mágica), por exemplo, e conquistou a sua Liberdade vencendo sua partida de Xadrez contra o Anjo da Morte e do Esquecimento.